O Futuro é a Liberdade

Discussões sobre Software Livre e Sociedade

Tecnologias assistivas: a importância do Linux na inclusão de pessoas com deficiência

Posted by Paulo em 23/09/2010

Há dois dias atrás, o Ricardo Lima, instrutor de informática da Unilehu – Universidade Livre para a Eficiência Humana (http://www.unilehu.org.br/), fez um pedido de ajuda na lista de usuários Ubuntu-br (https://lists.ubuntu.com/archives/ubuntu-br/2010-September/079350.html). Normalmente, a lista dá apenas ajuda online, mas, como moro em Curitiba e o problema dele parecia ser relativamente simples de resolver, pedi para entrar em contato comigo e combinarmos uma hora para eu dar uma olhada no problema. De antemão, fiz uma rápida pesquisa na internet sobre o problema que ele descreveu e, visitei a escola onde ele dá aulas de informática para pessoas com deficiência visual.

Devo dizer que foi uma experiência muito boa. O Ricardo utiliza em suas aulas duas remasterizações do Ubuntu, o F123.org e o Linux Acessível em pendrives, ambas utilizando o software Orca como base para possibilitar o acesso de pessoas com deficiência visual a recursos de informática.A ideia é que cada pessoa leve seu pendrive no bolso. Quando precisar utilizar computadores, seja em lan-houses, na escola, ou em qualquer outro local, coloca o pendrive na máquina (ou um CD, já que também é possível instalar o sistema nesse tipo de mídia), inicializa a máquina por ele e tem uma máquina totalmente funcional em questão de segundos.

Mas, nem tudo são flores. “Shit happens”, como dizia o filósofo Murphy. Justamente nas máquinas destinadas ao ensino de informática para deficientes visuais, foram instaladas placas de vídeo com sérios problemas de compatibilidade, pelo fabricante, a Positivo Informática.

Quando cheguei lá, fui muito bem recebido pelo Ricardo, um pouco antes do início de uma de suas aulas. Ele me indicou uma máquina para testes e fui logo colocando meu CD com o Ubuntu nela pra ver o que acontecia.A única modificação que fiz na inicialização padrão do Ubuntu, foi na opção F6 da tela inicial, onde marquei as opções ACPI OFF e NOAPIC. Feito isso, a máquina inicializou o sistema normalmente. No pendrive que ele utilizava, não haviam essas opções, e o sistema apresentava uma tela de erro avisando que haviam problemas com a placa de vídeo, mas que era possível inicializar com configurações mais simples, ao invés das default. Só que isso acontecia antes do sistema carregar o Orca e nada indicava para ele que o computador estava esperando uma resposta. Para ele a máquina estava travada. Bastou mandar prosseguir com as configurações sugeridas que tudo funcionou perfeitamente.

Minhas impressões:

1 – Na prática, a teoria é outra. Quando vemos as pessoas e organizações falando da importância da inclusão digital e blá, blá, blá, não temos a menor consciência da dimensão disso. Ver uma pessoa com deficiência visual operar um computador com a ajuda do Orca é uma experiência que dá uma dimensão muitíssimo maior da questão. É incrível a naturalidade e desenvoltura com que o Ricardo opera o computador com a ajuda do programa. Ele abre janelas, digita textos, acessa à internet numa velocidade muito maior do que eu e meu mouse conseguimos fazer. E isso me fez pensar que:

2 – Para dar boot pelo CD, ou pelo Pendrive, é necessário modificar as configurações do setup do BIOS para que dê preferência a esses dispositivos antes do HD. Ocorre que nenhum setup de BIOS utiliza tecnologias assistivas para que uma pessoa com deficiência visual possa, de maneira fácil, entrar no programa e configurá-lo a contento.

3 – O Orca roda sobre o Gnome, o gerenciador de interface gráfica padrão do Ubuntu. Isso significa que ele precisa da parte de vídeo funcionando para que seja possível rodar o servidor gráfico X, para que seja possível carregar o Gnome, para que seja possível rodar o Orca na inicialização. Ora pois, até que isso tudo aconteça, o cidadão está totalmente no escuro. Qualquer problema de inicialização, por mais simples que seja, vai ser de difícil solução, caso alguém que enxergue, de preferência que entenda do sistema, não auxilie o deficiente visual.

Tecnologias assistivas já existem há um bom tempo. E há mais tempo ainda, as tecnologias que permitem com que elas existam. Falta fazer com que os fabricantes de computadores, assim como os desenvolvedores de sistemas entendam a importância do problema e incluam esse tipo de tecnologia no BIOS das máquinas e no kernel do sistema. Isso facilitaria muito a vida dessas pessoas e não é algo tão caro e de difícil execução.

Por fim, é preciso passar por uma experiência dessas para compreender a importância do Linux e do Software Livre para a inclusão digital de pessoas com deficiência. O F123.org e o Linux Acessível fazem gratuitamente por essas o que programas que rodam sobre plataformas proprietárias (leia-se Windows) cobram caríssimo pra fazer. Programas semelhantes para Windows, como o Virtual Vision, da empresa Micropower que custa R$1.800,00, ou o Windows Eyes da GW Micro, custa US$1.250,00, exigem que a pessoa tenha uma máquina com Windows e utilize aplicativos específicos, além de não permitir a utilização de praticamente qualquer computador. A máquina deve estar preparada para ser utilizada pelo deficiente através da instalação desses programas, o que limita a mobilidade dessas pessoas.

Ao contrário das “soluções” proprietárias pagas feitas para o sistema operacional Windows, com a Solução em Software Livre, a pessoa leva, de graça (ou ao custo de 30 ou 40 reais), seu computador totalmente funcional no bolso, na forma de um pendrive. O único requisito é que a máquina possua alto falantes ou o próprio deficiente leva consigo seus fones de ouvido. Isso sim é Liberdade!

O que me faz pensar que inciativas como a da Fundação Bradesco são meros paliativos que não resolvem nem ajudam ninguém. Já que o treinamento requer que essas pessoas, e que as empresas onde elas, supostamente, serão empregadas, devem investir uma quantidade razoável de dinheiro para adaptar as pessoas às “soluções”, ao invés de fazer o contrário. É uma pena.

Para uma lista de programas (proprietários e livres) para deficientes visuais, veja a página: http://saci.org.br/?modulo=akemi&parametro=6576

Deixe um comentário